Fui convidado pelo Professor Ivan Cordovil a escrever junto com ele, um capítulo de livro sobre "Cardiologia e Gravidez", é um tema bastante interessante porém muito específico. Se alguém tiver algum artigo sobre semiótica e exames complementares relacionados ao tema, favor me enviar.
Vou adiantar algo sobre o tema:
Avaliação Cardiovascular durante a Gestação
A gestação e o puerpério podem levar a grandes alterações hemodinâmicas, com importantes mudanças cardiocirculatórias, sendo notórias as modificações no exame cardiovascular da grávida.1 A gestação normal já é acompanhada de queixas como fadiga, astenia, capacidade funcional e tolerância a atividade física reduzidas, além de dispnéia, hiperventilação, palpitações, e até mesmo sintomas pré-sincopais e a síncope propriamente dita.2
Existe o aumento do pulso venoso jugular visualizado na região cervical, nas faces laterais do pescoço, e na fase tardia da gestação ocorre o edema de membros inferiores, geralmente perimaleolar. Estes sinais podem conduzir o examinador a um diagnóstico equivocado de insuficiência cardíaca. Os pulsos arteriais são amplos, podendo se assemelhar aos de martelo dágua da regurgitação aórtica, e são hiperdinâmicos, pelo aumento da freqüência cardíaca, notório a partir da décima segunda semana, sendo que no terceiro trimestre aumenta mais ainda a freqüência cardíaca (cerca de 10-20 batimentos por minuto), sendo o pulso semelhante ao hipertireoidismo. O ictus córdis, ou impulso ventricular esquerdo na região precordial é facilmente detectável na gestante, devendo ser rebatida a mama para cima. Como o diafragma pelo crescimento uterino, o coração fica horizontalizado e o ictus córdis costuma estar localizado um pouco a cima do habitual. O ictus córdis da gestante tem sua característica de se apresentar hipercinético, principalmente após a sexta semana, com ascensão e declínio abrupto. No terceiro trimestre até o final da gestação o ictus córdis pode ser melhor examinado em decúbito lateral esquerdo por liberar a veia cava inferior da compressão uterina contra a coluna vertebral, promovendo o aumento do retorno venoso , sendo que nesta posição o ictus é móvel, modificando sua localização para a linha axilar anterior, mantendo sua hipercinesia. O impulso sistólico do ventriculo direito,detectado através da palpação com as polpas digitais nos 2º, 3º e 4º espaços intercostais, rente a borda esternal esquerda, pode ser avaliado apartir do segundo trimestre. No exame do precórdio, o fechamento da valva pulmonar e o impulso do tronco da artéria pulmonar podem estar presente; isto também depende do rebatimento do tecido mamário, contudo estão de acordo com as mudanças hemodinâmicas da gestação normal; sendo difícil pelo exame físico, detectar presença ou gravidade de hipertensão arterial pulmonar nos terços finais da gestação.3
Especialmente após o primeiro trimestre a ausculta cardíaca revela uma hiperfonese da primeira bulha, com um desdobramento desta bulha exacerbado, não devendo ser confundido com uma quarta bulha ou um clique sistólico.2 Já no último trimestre a segunda bulha passa a ser hiperfonética e pode ter um desdobramento prolongado ao colocar a gestante em decúbito lateral esquerdo, isto não deve ser interpretado como presença de hipertensão pulmonar ou comunicação interatrial, sendo que para estes diagnósticos é necessário uma investigação mais especifica e complementar. Não é comum estar presente uma terceira ou quarta bulha cardíaca.
Um sopro sistólico de hiperfluxo pode ser auscultado na maioria das gestantes, demonstrando as mudanças hemodinâmicas e o aumento da volemia. Os sopros são mesossistólicos e de pouca intensidade, sem frêmitos. Pode ser bem auscultado pelo diafragma do estetoscópio na borda esternal esquerda baixa, tem irradiação para fúrcula esternal e para região cervical, principalmente à esquerda.2 Outros dois sopros benignos são descritos no período gestacional, o sopro venoso cervical e o sopro mamário. O sopro venoso é geralmente auscultado sobre a fossa supraclavicular direita, podendo irradiar para região infraclavicular. O sopro mamário, devido ao hiperfluxo direcionado ao tecido mamário para a lactação, pode ser sistólico ou contínuo e ocorre ao final da gestação. Este sopro tem como característica principal a sua diminuição ou desaparecimento quando faz maior pressão sobre o diafragma do estetoscópio ou ao examinar a paciente com as mamas pendentes. Pode estar presente nas duas mamas. Os sopros diastólicos são menos comuns na gestação sem presença de cardiopatia associada. Podem ter sua explicação fisiológica no hiperfluxo pelas valvas atrioventriculares, contudo todo sopro diastólico requer uma avaliação complementar, para descartar doença orgânica. 3
Alterações Cardiovascular e Hemodinâmicas durante a Gestação
A volemia aumenta significativamente durante a gestação, iniciando o aumento na sexta semana e elevando rapidamente até a vigésima semana, depois a aceleração diminui até o final da gravidez. O nível deste aumento chega a ser em torno de 50%, com uma variação individual de 20%-100%. Este aumento é correlacionado e proporcional à: peso materno, peso fetal e peso placentário. As multíparas tem um maior incremento de sua volemia comparada as primíparas.3 Esta alteração da volemia durante a gestação é atribuída a estimulação estrogênica e mediada pelo sistema renina-angiotensina-aldosterona, havendo maior retenção de sódio e água, sendo que outros hormônios estão envolvidos.4
O débito cardíaco aumenta cerca de 50%, iniciando na quinta semana até a vigésima quarta semana onde estaciona seu nível ou terá aumento discreto até o final da gestação.5 Durante o terceiro trimestre em diante a posição corporal pode alterar o débito cardíaco, sendo que no decúbito lateral esquerdo a cava inferior não é comprimida entre o útero e o corpo vertebral, aumentando o retorno venoso e com isso o débito cardíaco. Além disso, durante o terceiro trimestre, o débito cardíaco aumenta principalmente devido a uma freqüência cardíaca aumentada, sendo que gestações em multíparas tem maior aumento da freqüência cardíaca.5, 6
A pressão arterial sistêmica começa uma queda durante o primeiro trimestre, atingindo o mínimo até a vigésima semana, retornando a valores pré-gestacionais até o final da gestação.5 A pressão arterial diastólica tende a diminuir mais acentuadamente que a sistólica, alargando a pressão de pulso.1 Esta diminuição da pressão arterial é causada principalmente pela queda da resistência vascular sistêmica, por diminuição do tônus da musculatura lisa vascular.7 Este fato tem origem tanto na atividade neuro-hormonal, como nas próprias alterações corporais durante a gestação, mediada por aumento de prostaglandinas, peptídeo natriurético (BNP), óxido nítrico, circulação uterina de baixa resistência e até a produção de calor pelo feto em formação.3
Bibliografia:
1Elkayam U, Gleicher N: Hemodynamic and cardiac function during normal pregnancy and puerperium. In Elkayam U, Gleicher N (Eds): Cardiac Problems in Pregnancy. 3rd ed. New York, Wiley-Liss, 1998, pp 3-20.
2Elkayam U, Gleicher N: Hemodynamic and cardiac function during normal pregnancy and puerperium. In Elkayam U, Gleicher N (Eds): Cardiac Problems in Pregnancy. 3rd ed. New York, Wiley-Liss, 1998, pp 23-32.
3Elkayam U: Pregnancy and Heart Disease. In Zipes DP, Libby P, Bonow RO, Braunwald E. Braunwald's Heart Disease 7th ed. Philadelphia, Elsevier Saunders, 2005, pp 1965-1984.
4Brown MA, Gallery ED: Volume homeostasis in normal pregnancy and preeclampsia: Physiology and clinical implications. Baillieres Clin Obstet Gynecol 8:287, 1994.
5Clapp JF III, Capeless E: Cardiovascular function before, during and after the first and subsequent pregnancies. Am J Cardiol 80:1469, 1997.
6Mesa A, Jessurun C, Hernandez A, et al: Left ventricular diastolic function in normal human pregnancy. Circulation 99:511, 1999.
7Poppas A, Shroff SG, Korcarz CE, et al: Serial assessment of the cardiovascular system in normal pregnancy. Circulation 95:2407, 1997.